Catafatismo e apofatismo são duas vias da abordagem teológica. A primeira é positiva, é aquela pela qual afirmamos algo acerca de Deus; a segunda, negativa, é aquela pela qual negamos alguma predicação à divindade. A abordagem negativa, por negar de modo excelente um atributo à divindade, também é chamada de superafirmativa.1 Podemos dizer catafaticamente que Deus é perfeito; apofaticamente diríamos que Ele não é perfeito; e, na medida em que essa negação é entendida de modo excelente, podemos dizer superafirmativamente que Deus é mais-que-perfeito.
Deus é perfeito, porque nenhuma imperfeição pode ser predicada de Sua natureza; Ele é não-perfeito, porque perfeição é uma noção que atribuímos aos seres que podem ser perfeccionados; e Ele é mais-que-perfeito, porque não pode ser nem imperfeito, nem perfeito segundo as perfeições criaturais — Ele é a causa mesma de toda perfeição.
Todas as tradições abordam a Realidade Última por essas vias. E no que diz respeito à via apofática, o Vedanta, por exemplo, pode negar de modo excelente todo e qualquer atributo positivo ao Brahman2; o Taoísmo pode dizer que “o Tao que pode ser pronunciado não é o Tao eterno [ch’ang]”3; o Budismo pode afirmar como Realidade Última a própria ausência de positividade4 (o śūnyatā); e assim por diante. Assim, tudo que é circunscrito de algum modo é menos que a Realidade Última, que é inefável e incondicionada. Essa abordagem, bem entendida, é válida e consistente com a natureza inefável e excelente da divindade.
O Cristianismo, contudo, oferece um desafio a essa abordagem. Ele evidentemente não a nega: podemos reconhecê-la nos escritos dos Santos Padres, desde os primeiros séculos, bem como nas Sagradas Escrituras. O desafio consiste no seguinte: todas as tradições podem apontar para cada uma das realidades visíveis e negá-las enquanto Realidade Última, pois tudo que pode ser visto é, de algum modo, sujeito às condições da criação; a tradição cristã não pode, contudo, proceder da mesma forma, pois em algum momento cairá sob nossa consideração a própria presença física do Nosso Senhor Jesus Cristo (seja a Sua presença histórica diante dos apóstolos, seja a Sua presença eucarística), e não poderemos dizer que ela não é a Realidade Última. Poderemos, na melhor das hipóteses, dizer superafirmativamente que há muito mais do que aquilo que somos capazes de perceber atualmente através da Sua presença. Poderemos dizer que Sua natureza humana como que guarda o mistério inefável da natureza divina, mas que ambas as naturezas se encontram unidas indissoluvelmente e sem confusão na pessoa do Filho. Do contrário encararíamos a presença do Nosso Senhor como mais uma das múltiplas manifestações da Realidade Última, mas que em última análise não é idêntica a ela. Isso, contudo, é precisamente a negação da realidade da Encarnação, e esse é o motivo pelo qual as outras tradições a rejeitam.
Vejamos o que diz a esse respeito um dos mestres da Cristologia ortodoxa5, São Cirilo de Alexandria. O trecho a seguir é de uma carta endereçada a Teodósio.
Assim, o Unigênito, aquele que é Deus e Senhor de todos, como justamente dizem as Escrituras, apareceu para nós. Quando se fez homem, ele foi visto sobre a terra e foi a luz para aqueles que estavam em trevas, mas isso não aconteceu simplesmente como uma “aparência” (que o céu nos perdoe! pois é loucura dizer, ou mesmo pensar uma coisa dessas), nem ele se aproximou de seu corpo alterando-se ou transformando-se de alguma maneira (pois o Verbo de Deus existe imutavelmente, permanecendo sempre o mesmo), nem foi sua geração divina contemporânea à existência física do seu corpo (pois ele é o Criador de todos os séculos), nem entrou ele em um homem meramente na forma de uma “palavra”, sem existência concreta ou como uma simples expressão verbal. Pois aquele que trouxe à existência o que não era e que deu às coisas o seu princípio é necessariamente pré-existente. Pois ele é a vida que brotou da vida que é Deus-Pai. Tanto na realidade quanto em nossas mentes ele possui uma existência própria e concreta. Mas ele não estava apenas envolto na carne, carecendo de uma alma racional. Não, ele nasceu verdadeiramente de uma mulher e apareceu-nos como um homem, o Verbo Divino, o Deus Vivo, existente e coeterno com Deus-Pai. Ele assumiu a forma de um servo, e assim como é completo em sua divindade, assim também ele é completo em sua humanidade. Não é como se o único Cristo, Senhor e Filho fosse meramente uma justaposição da divindade com alguma carne, mas, ao contrário, ele é paradoxalmente a união de dois elementos completos, a saber, a humanidade e a divindade, em um único ser.6
Como pode o incondicionado estar condicionado? Como pode o eterno ter assumido uma existência temporal? Como pode o impassível ter sofrido a Paixão? Como pode o Infinito ter se esvaziado?7 Como pode o Senhor ter assumido a condição de um servo (Fp 2:7)? Como pode Deus ser um homem?
E Simeão os abençoou e disse a Maria, mãe de Jesus: "Este menino está destinado a causar a queda e o soerguimento de muitos em Israel, e a ser um sinal de contradição... (Lc 2:34)
A esse tipo de questionamento São Cirilo responde da seguinte forma:
Devemos deixar para Nicodemos e outros semelhantes a ele o questionamento insano, “Como pode ser isto?” (Jo 3:9), enquanto aceitamos sem hesitação aquele através do qual o Espírito Divino é pronunciado. Devemos depositar a nossa confiança em Cristo, que diz, “Na verdade, na verdade te digo que nós dizemos o que sabemos, e testificamos o que vimos” (Jo 3:11). Afastemo-nos de cada uma dessas idéias malucas, discursos fantasiosos, falsas opiniões e ilusões revestidas de palavras sutis; coloquemos de lado tudo o que nos parece prejudicial, mesmo que nossos oponentes lancem argumentos engenhosos e argutos em nossa direção. Pois nosso mistério divino “não consiste em palavras persuasivas de sabedoria humana, mas em demonstração de Espírito e de poder” (1 Co 2:4).8
A vida do Nosso Senhor conjuga as oposições naturais da razão humana nos obrigando a colocar-nos acima de todo esquematismo, e de um modo muito mais radical que a mais rigorosamente não-dual das abordagens vedantinas. A cruz abraça toda a realidade cósmica e metacósmica, e nela todas as coisas são reconciliadas e recapituladas.
Lemos em São Máximo algumas pérolas de sabedoria sobre o mistério teândrico.9 Num comentário à epístola de São Dionísio Areopagita a Gaio, o monge, ele diz o seguinte:
[...] “ele é ocultado pela aparência”, diz o mestre, “ou, dito de maneira mais divina, na aparência mesma. Pois o mistério de Jesus também foi ocultado, e não foi alcançado por nenhuma razão ou intelecto: mesmo enquanto dele falamos ele permanece inefável, e enquanto o concebemos ele permanece desconhecido”. O que poderia demonstrar melhor que isso a divina “transcendência do ser”? Ele mostra “o que é oculto através da aparência”, e o inexprimível através de “um verbo”. Ele mostra “ao intelecto” aquilo que, por conta de sua superioridade, é desconhecido, e, a fim de afirmar algo ainda mais radical, podemos dizer que ele mostra “aquilo que está para além do ser” através de seu ingresso no ser.10
Em outra passagem, agora da Ambigua ad Iohannem, citada e comentada por Erígena, São Máximo narra a união universal operada por Nosso Senhor:
[...] “Então”, diz o mencionado Mestre, “pela Sua ascensão ao céu, Ele uniu retamente o céu e a terra, e retornando ao céu com Seu corpo terrestre, que é da mesma natureza que o nosso,” — transfigurado, a saber, em substância espiritual11 — “Ele revelou ser una a totalidade da natureza sensível... Então, ...atravessando de alma e corpo, isto é, com a nossa natureza em sua totalidade, todas as divinas e celestiais ordens inteligíveis, sucessivamente, Ele uniu os sensíveis e os inteligíveis, revelando que a convergência... da totalidade criatural em sua razão primeira (é) nEle perfeitamente inseparável e imutável. E, finalmente, junto com tudo isso, no que diz respeito ao entendimento12 da Humanidade” [isto é, no que diz respeito à humanidade mesma], “Ele se põe na presença de Deus, colocando-Se por nós, tal como está escrito, diante da face de Seu Deus e Pai como um Homem, o qual, enquanto Verbo, não pode de maneira nenhuma se apartar do Pai... e, antes de tudo, Ele nos uniu uns com os outros consigo mesmo e em Si mesmo ao descartar a diferença entre macho e fêmea; e, em vez de homens e mulheres, nos quais esse modo de divisão é maximamente aparente, Ele exibiu o homem enquanto tal, própria e verdadeiramente... carregando sua imagem sem mácula e sem qualquer marca de corrupção.”13
A própria dicotomia Ātma-māyā é superada no mistério da Encarnação. Uma vez que o próprio Deus assumiu a natureza humana, andou e comeu conosco (Lc 24:43), a realidade de māyā adquiriu uma nova significação. Ela não pode ser mera consequência da avidyā, isto é, da ignorância acerca da Realidade Última: ela tem de ser algo mais. Ainda assim, sua realidade é tal que não fere a unidade e inefabilidade divinas. Na união sem confusão entre Suas duas naturezas o Filho revelou uma relação igualmente inconfusa entre Deus e Sua criação. Segundo a fórmula da união do Concílio de Éfeso,14 há no Filho uma dupla consubstancialidade: pela Sua natureza divina Ele é consubstancial (ὁμοούσιος) ao Pai; pela Sua natureza humana Ele é consubstancial (ὁμοούσιος) aos homens, Suas criaturas. Uma vez que o Filho é consubstancial a nós e a Deus (por naturezas distintas), a relação entre Deus e Sua criação é radicalmente ressignificada pelo mistério Trinitário. Isso nos obriga a afirmar que a criação não pode ser reduzida à divindade, e que, portanto, a vidyā de modo algum pode fazer cessar a realidade criatural.15
O professor Wolfgang Smith observou recentemente que a Encarnação é algo “categoricamente diferente do avatāra Vedantino: pois, longe de constituir um ‘verdadeiro Deus e verdadeiro homem’ no sentido Cristão, o lado humano do avatāra é relegado pelos sábios vedantinos ao domínio de māyā”.16 O Filho não é a Realidade Última apenas enquanto considerado separadamente da Sua natureza humana,17 o Filho é a união mesma de Suas duas naturezas.
O professor continua:
Vê-se retrospectivamente que a tese Schuoniana18 ataca o Cristianismo em seu núcleo mesmo ao negar de facto a possibilidade da Encarnação: sua afirmação implícita de que o Cristo transcende a dicotomia Ātma-māyā de uma maneira inconcebível para o Vedanta. O que, contudo, e a bem da verdade, torna o Cristianismo invulnerável a essa acusação é sua teologia Trinitária: nada menos que essa teologia, ao que parece, pode resistir à investida Vedantina. O que torna a ontologia Vedantina impotente, nesse quesito, é precisamente sua falta de um tertium quid que sirva de intermediário entre os antípodas Ātma-māyā.19 Pode-se também argumentar, por outro lado, que absolutizar a dualidade Vedantina já é interpretar de maneira equivocada a posição Védica, a qual só é autêntica na medida em que é acompanhada pelo interminável refrão ‘neti, neti’.2021
É verdade que a natureza humana de Cristo foi assumida no tempo, que houve um dia em que Jesus de Nazaré, filho de Maria, nasceu em uma manjedoura. Contudo, se quisermos levar esse negócio de metafísica a sério, teremos de considerar o fato de que o Filho, embora tenha assumido a condição temporal, permaneceu sempre para além de todas as condições,22 e a própria Encarnação não podia estar ausente de Sua Onisciência desde antes dos séculos.2324 Em Sua Eternidade essa realidade Lhe é, por definição, eternamente atual; a realidade da Encarnação nunca esteve apartada de Sua Vida, ainda que para nós ela tenha se concretizado num determinado momento histórico. É por conta disso que, seis séculos antes do nascimento de Jesus, Daniel pôde contemplar “um semelhante ao Filho do Homem” ao lado do Ancião dos Dias, nas nuvens do céu (Dn 7:13), e também por isso que Abraão pôde, exultante, ver o Dia do Senhor (Jo 8:56).
É verdade que as coisas ditas aqui são uma pedra no sapato para muita gente, e que o único jeito de libertar os próprios pezinhos dessa pedra pontiaguda é interpretar o Cristianismo nos termos de outras religiões, ignorando solenemente tudo que os maiores representantes da religião sempre disseram, quando não simplesmente acusando as Sagradas Escrituras de terem sido adulteradas ou mal compreendidas pela própria tradição (acusações ridículas tanto do ponto de vista histórico quanto teológico).
O desafio imposto pela teandria ao método negativo é uma característica exclusiva do Cristianismo, e não é algo meramente tangencial à religião, pois diz respeito a um elemento central da fé. Essa é uma das provas de que, ainda que as grandes religiões possuam certa margem de convergência nas ordens simbólica, metafísica, cosmológica etc., elas não convergem exatamente pelo seu centro.
Podemos nos utilizar de uma analogia bastante simples para explicar esse último ponto: dois entes podem convergir por notas essenciais sem, no entanto, convergirem pela diferença específica. Um ser humano e uma árvore, digamos, convergem por notas essenciais (ambos são, por exemplo, viventes), mas eles não convergem especificamente, pois o que define a espécie de um — e que, portanto, lhe é mais central — não se encontra no outro. Nesse caso, assumir que o universal “vivente” é o que há de superior em ambos, só porque se trata de uma nota pela qual eles convergem, é um erro metodológico análogo à redução schuoniana das religiões à religio perennis.25
Voltarei a esse assunto e o desenvolverei melhor numa próxima oportunidade. Há muito a se dizer sobre ele. Contudo, pelo que foi dito até aqui já se pode perceber que, não obstante a grandeza e as valiosas contribuições intelectuais dos proponentes da chamada philosophia perennis, sua tese central é altamente problemática.
Deirdre Carabine, The Unknown God, Louvain: Peeters Press, 1995, p. 312.
Lemos no kārikā (explicação em versos) da Mandukya Upanishad, atribuído ao grande Gauḍapādācārya, o seguinte: “Aquele que conhece o ato mesmo de conhecer, absolutamente despojado de atributos, é verdadeiramente um conhecedor do Brahman”. Veja-se Swami Gabhirananda, The Mandukya-Karika, Trichur: Sri Ramakrishna Math, 1987, p. 17.
Lao-Tzu, Tao Te Ching, c. I.
O que os vedantinos designam como abhāva (अभाव).
Lembremo-nos de que a posição de São Cirilo, Bispo de Alexandria, foi aquela que prevaleceu no Concílio de Éfeso (séc. V).
St. Cyril of Alexandria, Three Christological Treatises, Washington: The Catholic University of America Press, 2014, pp. 58-59.
Esse esvaziamento divino é referido por São Paulo na Carta aos Filipenses (Fp 2:7). Ele usa o termo κένωσις. Menciono isso aqui, pois sei que muitos estranharão a expressão por conta de uma falta de familiaridade com as Escrituras.
Ibid., p. 58.
Isto é, o mistério do Deus-Homem (θεός + ἀνδρός).
Maximus The Confessor, Ambigua to Thomas, Turnhout: Brepols, 2009, p. 64.
Todas as interpolações, constadas entre colchetes e travessões, são glosas de João Escoto Erígena.
O termo entendimento, aqui, se refere ao princípio racional da espécie.
Eriugena, Periphyseon, Washington: Dumbarton Oaks, 1987, pp. 140-41.
Norman P. Tanner SJ., Decrees of the Ecumenical Councils, Vol. I, Washington: Sheed & Ward and Georgetown University Press, 1990, pp. 69-70.
Alguém poderia argumentar que um adwaiti instruído não interpretaria a realização metafísica dessa maneira, é claro. Entretanto, as discussões entre os adwaitis e os vishishtadvaitis me fazem crer que não é esse o caso. Mas pode ser que meus opositores contemporâneos, por terem lido uns livrinhos do René Guénon, conheçam a tradição védica melhor que um Veṅkaṭanātha.
Wolfgang Smith, Vedanta in Light of Christian Wisdom, Philos-Sophia Initiative Foundation, 2022, p. 75.
Pois, como argumenta São Cirilo numa de suas cartas a Nestório, a própria carne e o próprio sangue do Senhor são fontes de vida eterna — “Quem come a minha carne e bebe o meu sangue tem a vida eterna...” (Jo 6:54). Negá-lo seria também negar o Santíssimo Sacramento.
O autor se refere a Frithjof Schuon (1907-1998), que interpretava a Encarnação em termos vedantinos, como “Ātma fazendo-se māyā”. É digno de nota o fato de que Schuon, assim como René Guénon, costumava identificar o Verbo ao Buddhi vedantino, o qual é uma das produções de Prakriti. Por conta disso ele chega inclusive a negar o título de Theotokos à Virgem, à maneira dos Nestorianistas (uma posição coerente com o seu Sufismo, diga-se).
Essas duas últimas afirmações do professor Smith certamente se apóiam sobre a fórmula da união do Concílio de Éfeso, mencionada mais acima.
A expressão sânscrita “Neti, Neti” (“nem isto, nem isto”) se refere ao método adwaiti pelo qual se nega uma predicação para logo em seguida negar a própria negação. Podemos caracterizar o “Neti, Neti” como uma abordagem superafirmativa cuja fórmula consiste numa dupla negação.
Ibid., p. 77.
Lembremo-nos das palavras do Papa Leão I, constadas no Concílio de Calcedônia (séc. V): “Seu nascimento temporal de modo algum subtrai ou adiciona algo à Sua geração divina e eterna...”. Veja-se Norman P. Tanner SJ., Decrees of the Ecumenical Councils, Vol. I, Washington: Sheed & Ward and Georgetown University Press, 1990, p. 77.
Não é preciso dizer que a expressão “desde antes dos séculos”, aqui, é apenas um signo temporal de uma realidade supratemporal. Não se quer dizer com isso que Deus está preso a uma linha do tempo, e que Ele se encontra antes de algum evento.
Caso contrário, o evento da Encarnação seria uma absoluta novidade para o próprio Deus, e daí se seguiria que há no conhecimento divino uma passagem da potência ao ato (ou seja, que num momento Ele não sabe de algo, e em seguida Ele passa a sabê-lo). Em suma, é impossível apostar nessa hipótese sem negar a Onisciência e a simplicidade divinas.
Estou perfeitamente cônscio de que essa reductio não é, de jure, a mera síntese de múltiplas formas religiosas. Sei que ela se pretende a expressão do princípio mesmo que transcende todas as formas particulares, algo como o protótipo de todas as tradições (pois não se trata de uma unidade imanente das religiões). Porém, a reductio operada por Schuon é, de facto, a negação dos elementos particularizantes de cada religião (pois estes, segundo ele próprio, se reduziriam à manifestação formal) e a afirmação de seus elementos comuns (supra-formais). Ora, quem disse que aquilo que todas têm em comum é o que há de mais elevado em cada uma delas?
Texto maravilhoso como sempre, Leo. Já há algum tempo assisti a um vídeo em que o Wolfgang Smith traz essa ideia, mas ainda não consegui ler o livro (até porque está caríssimo na Amazon, por exemplo). Ao terminar, só me peguei pensando em um ponto específico: o Hinduísmo tem também encarnações de Vishnu. Não sei o quão heterodoxo isso é, mas mesmo Buda é mencionado como uma encarnação. Seja como for, colocando Buda na conta ou não, ou fato é que há no Hinduísmo essa ideia de um Deus que se faz Homem. Isso talvez complexifique um pouco a discussão. A trindade Vishnu-Shiva-Brahma teria, neste cenário, o condão de "unir céu e terra". Talvez, a partir disso, surjam novas perguntas - a mais essencial: o que faz da encarnação da Segunda Pessoa da Trindade Cristã diferente das encarnações de Vishnu? Por que a dualidade Atma - Maya se resolve ou se dilui misteriosamente na encarnação de Cristo, mas não na de Krishna ou Rama?
Aliás, no mesmo sentido, lembro de ter escutado de um cristão ortodoxo perenialista a seguinte ideia: ele dizia acreditar em absolutamente tudo o que a Igreja professa. Ao mesmo tempo, também acreditava que a encarnação de Cristo não nega, por si, encarnações anteriores da exata Segunda Pessoa da Trindade - e ele se referia justamente às encarnações de Vishnu, mencionando, como linha de raciocínio, a passagem bíblica em que Jesus menciona ter "muitas outras ovelhas que não são deste aprisco". Enfim, lanço inquietações minhas sinceras aqui. Talvez um dia trate delas em algum texto. Por enquanto, compartilho com você =)
Maravilhoso! Obrigado por isso!