Mais do que nunca, devemos hoje nos exercitar em discernir o espírito do anticristo. Esse espírito se caracteriza pela negação da Encarnação do Verbo, como diz o discípulo amado e divino Teólogo: "E todo o espírito que não confessa que Jesus Cristo veio em carne não é de Deus; mas este é o espírito do anticristo, do qual já ouvistes que há de vir, e eis que já agora está no mundo." (1 Jo 4:3).
Não é difícil perceber onde atua esse espírito nos dias de hoje. Todas as tradições orientais rejeitam a ideia de que o Absoluto possa habitar plenamente em um único homem. Nenhuma delas aceita que se aponte para uma forma determinada e se diga, com razão, “eis aqui o Absoluto!”, à exclusão de outras formas determinadas.1 Do lado das religiões semíticas, o Judaísmo talmúdico rejeita in limine a identificação entre Jesus Cristo e Deus. O Judaísmo talmúdico é essencialmente uma religião anti-Encarnação. O mesmo se pode dizer do Islam, que nega a divindade de Cristo, bem com a Sua Paixão. A bem da verdade, o Islam aceita que Cristo é um profeta e, portanto, uma das múltiplas manifestações de al-aql (o “intelecto universal”) ou de Kalimat Allah (“o Verbo de Deus”), mas rejeita que Cristo seja o próprio Deus. Por mais que se queira relativizar essa rejeição, a verdade é que a adoração a Jesus Cristo é vista como shirk (“associação” entre Deus e algo de natureza criatural), como idolatria formal.2 Há, além disso, no Islam, aquele problema que já havia sido antecipado pelo divino Apóstolo em sua epístola aos Gálatas: "Mas, ainda que nós mesmos ou um anjo do céu vos anuncie outro evangelho além do que já vos tenho anunciado, seja anátema." (Gl 1:8).
Gostem ou não do que digo, o fato é que todas essas tradições são animadas por aquele espírito de que falava São João em sua primeira carta. Devemos estar atentos a tal fato. Não deixemos, portanto, que a luz do Sol de Justiça (Ml 4:2) seja eclipsada pela fumaça da ambiguidade.
Para uma explicação mais detalhada, leia-se os meus artigos Apofatismo e Teandria e Questões Teândricas.
O mais “universalista” dos sufis, Ibn Arabi, chega a falar “[d]o erro daqueles que creem nas encarnações da Divindade” logo no início do seu Risālat al‐Ahadīyah.
Realmente, até onde sei, só um cristão pode acreditar que "o Verbo se fez carne, e habitou entre nós". E quem não acredita nisso e se diz cristão... bem, não é.